Em introdução à coletânea “A Invenção das Tradições”, Eric Hobsbawm apresenta a tese de que muitas “tradições” que podem parecer ou ser consideradas antigas são, no entanto, bastante recentes, ou até inventadas. Neste sentido, a imposição de valores, costumes e comportamentos, através da repetição, contribuiria para a sensação de continuidade em relação ao ado. Embora o que defina o caráter de algo que seja considerado como uma tradição seja sua invariabilidade, isto é, sua continuação sem modificações, sabemos que nem todas tradições perduram.
Em situações de crise ou possível perda de identidade, como viver em uma região totalmente estranha aos valores e costumes conhecidos ou sofrer tentativa de imposição de uma cultura alheia sobre a nossa – vide os casos de colonização – a busca por algo que nos dê segurança, como a busca por nossa identidade (étnica, local, de gênero, etária ou religiosa), é recorrente. Assim como nos casos de imigração ou colonização, a busca das tradições em relação ao ado – a fim de perpetuar valores, costumes e comportamentos próprios que, ao longo do tempo, são esquecidos, modificados e relegados – pode ser considerada como uma expressão de resistência e segurança frente à crise de valores e identidade com o ado. Tal crise se exprime, por exemplo, no desleixo público em relação aos patrimônios arquitetônicos e documentais e também no descaso particular, sobretudo, em relação à história da própria família e região.
Entretanto, é possível observar algumas tentativas de resgate de costumes realizadas por determinados grupos. Nossa região – profundamente marcada pelo paradoxal convívio entre o ado de construções centenárias, fazendas antigas e natureza abundante e o presente de novas tecnologias e costumes, poluição e crescimento – possui algumas celebrações que tentam recuperar as “raízes” e antigas tradições. É o caso, por exemplo, das festas dos padroeiros e das comemorações da Società Italiana Lavoro e Progresso – ambas já citadas em artigos anteriores.
Neste ano, a Festa Junina da escola Francisco Barreto Leme, de Joaquim Egídio, procurou construir uma festa que se baseasse nas tradições dos colonos. A Festa Junina, segundo a antropóloga Rita Amaral, possui origem ibérica, em função da devoção a Santo Antônio e São João, com contribuição sa das quadrilhas e influência das tradições do catolicismo. No entanto, esta celebração no ambiente rural de Joaquim Egídio misturou-se aos costumes dos colonos italianos, criando novos rituais e tradições. O grupo formado por Adriano Nogueira e as professoras Valéria (da Coordenação Pedagógica) e Lúcia (Educação Física) organizou a pesquisa dos próprios alunos sobre vestimentas, alimentos, música, brincadeiras e, inclusive, terminologia típicas da época. Assim, realizou-se uma comemoração que trouxe à tona elementos do ado da região resgatados na memória dos moradores mais velhos e na história local. Estes elementos, contudo, foram re-elaborados pelos novos costumes e comportamentos incorporados, exprimindo o quanto as tradições podem ser híbridas e constantemente modificadas. Ademais, em relação à busca das tradições, sabe-se que a pureza nunca será alcançada, assim como é impossível fisiológica e psiquicamente se chegar à realidade completa de um fato ocorrido a partir de nossa memória. Mas tais tentativas são importantes e necessárias para a busca da identidade e do auto-conhecimento. Se ao historiador, como afirma Hobsbawm, cabe analisar como as tradições surgiram, estabeleceram-se ou por que se sentiu necessidade de inventá-las e perpetuá-las, cabe a todos o esforço de preservar os elos, o interesse e o respeito com o ado.